quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DIA DE PORTUGAL

ESCOLA INDUSTRIAL E COMERCIAL DE PENAFIEL
COMEMORAÇÕES DO DIA DE PORTUGAL
EM 12 DE JUNHO DE 1972


Como que em família a Escola Industrial e Comercial de Penafiel também levou a efeito as comemorações do «Dia de Portugal».

Dizemos como que em família porque, de facto, ali fomos encontrar os srs. Director, Vice-Director, Professores, Mestres e alunos, mas a sua transcendência, o seu valor, e estudo profundo da parte dos vários conferentes, leva-nos a pensar que algo de valiosos se vai perder se aquelas palestras, aqueles estudos não forem coligidos em opúsculo para que sejam legados à posteridade.

Sinceramente que gostamos de estar presente e por essa razão vão os nossos agradecimentos ao Dr. Aurélio Tavares pelo particular convite que nos fez, aproveitando o mesmo agradecimento para as referências que teve a amabilidade de referir no final daquela festa. Palavras de que não nos julgamos credores.




A SESSÃO SOLENE

Quase na sua totalidade, professores, mestres e alunos, apinharam-se na vasta sala de desenho.
O sr. Director abriu a sessão com as seguintes palavras:
Senhor Subdirector,
Senhores Professores,
 Amigos Estudantes,
Porque nos reunimos aqui neste momento!

Circulou entre vós um convite meu, que invocava esta razão: Dia de Portugal. Um Dia de Portugal adiado, é certo, por sabidas circunstâncias de ordem prática local. Mas também – e isto pesou! – para que a modéstia cerimónia seja mais nossa, apenas nossa, uma aula em dia de aulas, e a última do ano. É em família que nos sentimos melhor.

Estamos celebrando, pois, à nossa maneira e na medida dos nossos recursos, a grandeza, a perenidade, a glória da nossa Pátria. Escolheu-se para a personificar na sucessão intérmina do Tempo e para a revelar ao nosso entendimento, o máximo dos portugueses de sempre, dos mortos e dos vivos, dos presentes e dos futuros, Camões, o génio da transcendência. Mas porque motivo se estatuiu lá nos cimos da governação, que se fundisse numa só ideia e num só dia, Camões e Nacionalidade? Não temos porventura Afonso Henriques o Fundador, Nuno Álvares com seu milagre de Aljubarrota, Vasco da Gama a transpor o limiar de nova era, Afonso de Albuquerque o sábio da estratégia e da convivência idílica entre povos, génio dos génios da Renascimento; não temos João Pinto Ribeiro o restaurador sorridente, e o herói de Chaimite, e o recente Almirante dos Ares, com o seu lendário companheiro, a reatar definitivamente o laço que enlaça as duas Pátrias do mesmo sangue – Portugal e Brasil - , então já quase desprendida…

Porquê, Camões?
É que ninguém nascido português se ergueu jamais como ele, num esforço consciente intencional e global de atingir a glorificação plena da Alma Portuguesa: «Eu canto o peito ilustre lusitano», verso que significa isto mesmo, pelo que considero o verso-síntese de todo o poema. É que o latinismo «peito» assume aqui a própria significação virgiliana de PECTVS-PECTORIS, a caixa toráxica, sim, mas também, segundo o crer romano, invólucro da alma e, por metonímia poética, a própria alma. Logo é Camões o glorificador da essência da nacionalidade, a qual cantando, espalhará por toda a parte, difundindo o seu canto pelos demais povos, no que se revela, ao pensamento crítico, moderno, autêntico exemplar do Renascimento. Que ninguém se lhe compara em semelhante esforço, de que lhe advém o tornar-se para sempre símbolo-encarnação da Raça lusíada.

Se fixarmos a atenção no livro dos livros da nossa língua, notaremos, logo à leitura dos hendecassílabos iniciais que o Poeta desdobra em dois pares de grandezas os méritos que nos singularizam na História do Mundo: a fé e o império, as armas e os barões de mares nunca dantes navegados; ou seja: acção missionária e acção civilizadora por um lado; vitórias ganhas nos campos da batalha contra inimigos da Cristandade ou da Pátria, e triunfos disputados à adversidade das vagas e dos ventos, os segredos arrebatados a oceanos desconhecidos. Isto por outro lado.

Passando por agora em silêncio mundo de actividades que se condensam nos termos Fé e Império – uma sessão tem limites e a vossa atenção fatiga-se - , três aspectos camonianos focaremos aqui: algo da biografia do mesmo Épico, já que estamos em ano santo da celebração centenária de “Os Lusíadas”, considerações várias quanto à obra, ainda no âmbito do mesmo aspecto; o lado das descobertas em termos de actualidade; e a gesta do presente, na sequência dos feitos de armas celebradas pelo Poeta.

Terá a palavra relativamente ao primeiro aspecto um culto e distinto professor nosso, Sr. Dr. Ferreira de Sousa, antigo Presidente da Câmara Municipal de Constância do Ribatejo, a vila formosíssima, tanto no nome como na panorâmica, se considerada esta da outra banda do Tejo, ou do ar como já me foi dado vê-la. Vila que, consoante a tradição, teria sido lugar de desterro para Camões. Quanto à naturalidade de Camões, ter-se-ia reparado já que o Ribatejo aparece insistentemente ligado ao nome dos antepassados próximos e à vida do próprio Poeta? Atente-se no nome de Vila Franca, apelido dos  seus, no senhorio de Alenquer na posse de seu avô, noutras referências ainda… Não terá isto o valor de uma sugestão, ao menos concorrente com que de Coimbra nos vem?...

A Sr.ª Prof.ª M. Josefina Kitler, profissional distinta das coisas românicas, dissertará também, com proveito nosso, sobre Camões, não como homem que já não é, mas como artista que será sempre.

Quanto ao terceiro aspecto, dominante, acaso prevalecente – a imensa tarefa devassadora dos mares que coube à nossa grei, ocupar-se-á da versão moderna da nossa gesta navegadora – o grande feito aéreo que foi a travessia Lisboa – Rio, este ano celebrado também, - a Sr.ª Dr.ª Madalena Corte Real Machado.

Será um prazer, enorme prazer, escutar alguém que desde a fundação da nossa Escola tem consagrado aos alunos desta, em onze gerações escolares, todo o saber, toda a fidalguia de porte e de palavras, toda a formação moral que recebeu por forma esmerada e esmeradamente sabe transmitir aos outros. Se em onze anos é a primeira vez que a ouvimos em sessão como esta, isso aumenta a nossa expectativa respeitosa.

E permita-se-me a propósito invocar de passagem a minha remota vivência pessoal acerca do extraordinário feito de Coutinho e de Cabral. De todas as pessoas aqui presentes, fui talvez o único a ter o privilégio de vê-los. Vi-os a ambos, num estante de apoteose, sob uma onda de entusiasmo, como outra não houve neste século em terra portuguesa. Eu contava menos anos que os mais novos de todos vós, mesmo os do Ciclo. Vivi intensamente o drama heróico da fantástica viagem, esperei em ânsia a hora triunfal da chegada ao Rio. Ela ia cair no dia do meu aniversário. Encantava-me já um feriado nesse dia. Mas foi no imediato. Desencadeou-se então no Brasil e em Portugal, e até noutros países, um vendaval de entusiasmo que se não descreve. E quando, meses depois, os dois heróis visitaram oficialmente o Porto (foi em 2 de Dezembro), o pequenito que eu era, teve a suprema ventura consciente de pôr-se em bicos de pés para beijar o rosto dos gigantes. Vejo-os ainda à minha frente.

O mundo é que já não os vê
Reservei para mim umas breves palavras para abordar o tema camoniano das Armas, que são afinal as primeiras das primeiras que nos surgem em «Os Lusíadas». Mas não vos assusteis. Falar de armas não será usar delas. Apenas uma brandirei: a do afecto. Fala-vos portanto o coração.

Sabido é de todos, Estudantes meus, que Portugal se bate hoje no Ultramar. É uma guerra terrível, mas santa para nós, porque defendemos a integridade da nossa Pátria, que inimigos selváticos de estranhas origens tentam saquear, já que conquistar-lhe parcela alguma não podem. Eles insinuam-se pelas sombras da noite ou pela calada dos matos, ferem de emboscada, como as serpentes. Os nossos jovens, abnegados e valentes como os soldados de outrora, seriam como eles dignos de entrar em «Os Lusíadas». 
  
Mas o homem que foi Camões já morreu, e a pena que escreveu o cântico supremo já não dispõe de mão que a empunhe. Não importa. Ontem uns, agora outros; amanhã vós, a História abrir-vos-á as portas da glória; e acima dos homens está Deus, que tudo vê e regista. E estão ainda as nossas palmas enternecidas, e nosso reconhecimento por aqueles que, batendo-se ao longe, lutando contra a tirania dos terroristas e contra as asperezas da selva e dos climas, afinal nos defendem. Sabeis isto, compreendereis isto. São noções elementares que andam no pensamento e no sentir de todos nós. Pois bem. Esta Escola, que se revê nos seus alunos, sobretudo aqueles que a honram dentro e fora dela, orgulha-se neste momento de um elemento seu, antigo aluno hoje mestre, a quem o Governo da Nação acaba de proclamar herói de guerra. Sabíamos já, muitos de nós, e eu especialmente, que ele foi um escolar vivo, expansivo, moderadamente irrequieto porventura, mas sempre cumpridor, leal e dedicado. Entrou para o Corpo Docente, onde apurou as suas faculdades. Mas a sorte comum dos jovens interrompe-lhe as funções, atira-o para o Ultramar, dá-lhe uma arma, aponta-lhe a rota do inimigo, manda enfrentá-lo, embargar-lhe o passo traiçoeiro. Do que por lá se passou com ele nada sabíamos. A sua modéstia nada nos disse. Regressou à pouco à sua terra natal de Penafiel e à sua interrompida actividade escolar. De repente chegam ao nosso conhecimento as palavras oficiais que passo a ler:


FURRIEL MILICIANO
FRANCISCO JOAQUIM DE ALMEIDA AGUIAR

Condecorado com a Medalha da Cruz de Guerra de 3ª classe, natural de Vila Cova (Penafiel), pois durante a missão de escolta a uma coluna de reabastecimento que se imobilizou por uma avaria de uma das viaturas, soube montar a segurança com tal eficiência, que conseguiu da posição que as nossas tropas tomaram, detectar um grupo inimigo preparado para levar a cabo uma emboscada. Estudada a situação, decidiu atacar esse grupo, bastante mais numeroso, apenas com a sua esquadra de quatro homens, procurando tirar partido da rapidez da acção, surpresa e agressividade, o que conseguiu com muito êxito e mérito. Executada a aproximação no maior silêncio possível, no momento oportuno foi lançado o assalto ao grupo que revelou tal surpresa e desorientação perante a actuação do pequeno efectivo das nossas tropas. Apesar da reacção constante do inimigo com o fogo de armas automáticas, moveu-lhe, com a maior decisão e a peito descoberto, uma perseguição incansável e, isolado da sua esquadra com absoluto desprezo pela vida, percorreu debaixo de fogo mais de quinhentos metros, logrando alcançar aquele grupo que se dispersava de uma elevação.

Foi anteontem (10 de Junho de 1972) a glorificação pública do nosso herói, na cidade do Porto. A Pátria disse-lhe o seu obrigado, ao colocar-lhe ao peito a Cruz de Guerra, o distintivo dos bravos. Hoje a Escola, a sua Escola, pela minha voz, pelos nossos aplausos vibrantes, significa-lhe também toda a nossa gratidão enternecida.

Meu bravo Aguiar, filho dilecto desta Escola! Com o meu abraço e esta humilde lembrança, vai todo o nosso orgulho, vai todo o nosso afecto por ti. Bem hajas!

Após o maravilhoso estudo que acabamos de transcrever o sr. Dr. Ferreira de Sousa, leu o seu trabalho que intitulou «A Casa de Camões em Constância» e no final leu também uma poesia da sua autoria que se referia ao glorioso vale.

A professora D. Josefina Kitler apresentou também um magnífico trabalho sobre Camões e seguidamente a professora D. Maria Madalena Costa Corte Real de Sousa Machado. Debruçou-se num estudo de pesquisas exaustivo mas importante, trazendo-nos os dois vultos da História de Portugal, dos quais se estão a comemorar o primeiro cinquentenário da travessia aérea Lisboa – Rio de Janeiro e que são Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Tal como os outros, este trabalho foi escutado com interesse e no final foi coroado de muitas palmas por parte de professores e alunos da Escola Industrial e Comercial de Penafiel.

In “Notícias de Penafiel” de 16 de Junho de 1972

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