quinta-feira, 25 de agosto de 2011

MANIFESTAÇÃO DE 6 DE MAIO DE 1974

MANIFESTAÇÃO DE 6 DE MAIO DE 1974

Em 6 de Maio de 1974 o «Jornal de Notícias» publicava a seguinte notícia de Penafiel
Em Penafiel
Numerosos alunos da Escola Industrial de Penafiel desfilaram pela cidade, debaixo de copiosa chuva, em direcção ao Regimento de Artilharia 5, onde apresentaram o seu incondicional apoio e a mais franca adesão à Junta de Salvação Nacional.
Por sua vez a Câmara Municipal resolveu enviar um telegrama cujo teor é o seguinte: «Ex.mo sr. general António de Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional. Primeira reunião ordinária após 25 de Abril, Câmara Municipal de Penafiel, por proposta seu presidente, deliberou, por unanimidade, sincera e leal colaboração Junta Salvação Nacional, contribuindo bem-estar todos os portugueses».
In “Jornal de Notícias” do Porto 6 de Maio de 1974

ASSALTADO O ESTABELECIMENTO
de um democrata penafidelense


Aconteceu em Penafiel, por volta das 14 horas e meia. Nas montras do estabelecimento de fotografia que o sr. António Guimarães, nosso solicito correspondente naquela cidade, possui na sua residência, à Rua do Paço, 32, ostentava-se vária propaganda que o seu coração de democrata de sempre guardara, religiosamente, durante todos esses anos em que não fora possível exibi-la com a liberdade dos dias actuais. Eram imagens do que fora a acção das Forças Armadas em Penafiel na data histórica do 25 de Abril; era a reprodução de uma gravura de 1958, mostrando o general Humberto Delgado, líder liberal de então, numa das suas atitudes de tribuno, e, logo a seguir, um cartaz com a afirmação de que ele fora vítima de assassínio perpetrado pela polícia política. Na outra montra do estabelecimento, junta de profusa documentação do Movimento Democrático de Penafiel, incluindo convocatórias de reuniões, um documento chamando a atenção dos colaboradores da Imprensa para certas formas de propaganda atentatórias da verdade, mediante «informação» obtida em condições mais ou menos suspeitas e através de «informadores» que o não eram menos.
De repente, desembocou na estreita rua, um grupo de estudantes da Escola Industrial de Penafiel, miúdos de onze / doze anos como que «enquadrados» por graúdos bastante mais «espigados». Vinham, também – segundo apurámos «in loco», mediante o depoimento de testemunhas oculares e «auriculares» - funcionários administrativos daquele estabelecimento de ensino, bem como pessoal serventuário, uns e outros ostentando cartazes e cantando estribilhos contra o sr. António Guimarães e favoráveis ao director da Escola. Parando em frente do estabelecimento do primeiro, os graúdos entraram ali, exigindo da filha do proprietário – no momento ausente em outro local – que da montra fosse retirado o tal documento de alerta, »se não quebrariam os vidros da montra»… Ao mesmo tempo, na rua, indivíduos do sexo feminino, supostamente alunas da Escola, proferiam insultos contra o sr. Guimarães, ofendendo-o, inclusivamente, na sua honra de marido e de filho. E era uma menina mestiça quem, na circunstância, mais se evidenciava em tal linguajar.

INTERVANÇÕES OPORTUNAS
Entretanto, várias pessoas da vizinhança, muito justamente indignadas com o que se estava a passar, intervieram, evitando assim que os manifestantes levassem por diante as suas ameaças, talvez prestes a concretizarem-se, uma vez que chegaram a agarrar pelos braços a filha do proprietário do estabelecimento, tentando forçá-la a retirar da montra o documento já citado, ao mesmo tempo que insultavam a mãe da jovem, senhora muito doente e que, por isso, se sentiu mal.
Valeu às duas senhoras, na emergência, a intervenção oportuna dos srs. Valentim Bessa Moreira, finalista do Liceu, e Augusto de Sousa Magalhães, funcionário do Grémio do Comércio, os quais foram unânimes em afirmar que «eles entraram por aqui dentro e, enquanto uns invadiram tudo, outros batiam nos vidros da montra».
Segundo contaram ao último, «a ordem que traziam era de partir os vidros, se o papel não fosse retirado». Referiu, ainda, o mesmo sr. Magalhães, que «uma professora só saiu do local quando o aspirante João Lima – que pouco depois +assara perto, a caminho da instrução, com alguns soldados, e cujo auxílio fora solicitado – do R. A. L. 5, lhe mostrou a fotocópia do documento».
A partir da intervenção do referido aspirante do R.A.L. 5, os ânimos aquietaram-se. Com efeito, aquele aspirante a oficial, fazendo uso de um megafone, avisou os assaltantes de que poderia ver-se obrigado a prendê-los, se não respeitassem o direito de cada um manifestar desassombrada e livremente as suas opiniões, quanto mais invadindo-lhe a casa e ameaçando a família!

CONFIRMANDO
Não quisemos regressar ao Porto sem, primeiramente, contactarmos alguém responsável da Escola Industrial de Penafiel. Dirigimo-nos, pois, ali, a fim de entrevistar o respectivo director, sr. Dr. Aurélio Tavares, para nos confirmar – ou não – que a manifestação contra o sr. António Guimarães fora realizada por alunos da sua Escola. Pretendíamos, ainda, entrevistar, se possível, alguns desses mesmos alunos – pretensão que somente o director de um estabelecimento de ensino pode autorizar. Infelizmente, não conseguimos avistar-nos com ele porquanto, por informação ali recebida, «já fora para casa».
Assim, falámos com uma senhora que se nos apresentou como chefe da Secretaria, a qual confirmou que, efectivamente, «os alunos, tendo conhecimento de que na montra dum estabelecimento estava um papel com declarações contrárias ao que pensavam ser a verdade, dirigiram-se ali para que tal papel fosse retirado». Ao que nos pareceu, a nossa interlocutora desconhecia terem-se dado os incidentes cuja gravidade acabamos de referir. Porém, com o à vontade que marcava as suas palavras, deu-nos também a impressão de que não se apercebera de que a liberdade de pensamento e sua manifestação ordeira não é, apenas, apanágio de uns quantos «eleitos da Fortuna» - mas de todos os Portugueses de boa vontade!
In Jornal de Notícias” de 8 de Maio de 1974

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